O cuidado hospitalar vai além dos atendimentos médicos. A alimentação, quando tratada como parte da jornada do paciente, torna-se essencial para a recuperação, o bem-estar e a qualidade de vida. Mas, para isso, é preciso técnica, sensibilidade e integração entre profissionais.
Quem vive essa realidade diariamente é Adrielly Ferreira, nutricionista pós-graduada em Terapia Nutricional pela USP e especialista em Atendimento Interdisciplinar Preventivo na Primeira Infância pela UNICAMP. Hoje atua como Coordenadora de Nutrição Clínica na Sapore, unindo sua vivência ao propósito de oferecer alimentação como parte do cuidado.
Nesta entrevista, Adrielly compartilha sua visão sobre a nutrição como cuidado essencial, relembra histórias que mostram como a alimentação humaniza a assistência e aponta tendências que estão transformando o setor.
Confira:
Sapore: Quais são os principais desafios do trabalho feito para um hospital, na sua visão?
Adrielly Ferreira: Um dos pontos mais importantes nesse processo é garantir uma comunicação clara, contínua e realmente efetiva entre todos os profissionais da equipe multidisciplinar. Pode também ser desafiador ter certeza de que os pacientes entenderam, de maneira simples e sem dúvidas, qual é a dieta prescrita e porque ela foi indicada, de acordo com o quadro clínico apresentado.
Sapore: Alguma história de paciente que marcou você ao longo desses anos?
Adrielly Ferreira: Existem muitas histórias marcantes! Vou compartilhar uma mais recente. Foi um paciente em cuidados paliativos, muito lúcido, ainda em fase ativa de vida. Em conjunto com a equipe de fonoaudiologia, conversamos com ele sobre seus desejos naquele momento. Perguntamos o que mais gostaria de realizar, e ele respondeu que tinha vontade de tomar um vinho e comer a pizza com a receita que ele mesmo havia criado ao longo da vida.
Sabendo disso, buscamos a receita que ele havia desenvolvido, e pedimos ao chef de cozinha que a preparasse exatamente como ele fazia. Quando entregamos a pizza ao paciente, acompanhado de sua esposa, foi uma grande emoção. Eles ficaram profundamente tocados, e ele não só agradeceu o carinho como também elogiou o sabor, dizendo que estava idêntico ao que costumava preparar.
A experiência foi muito significativa para toda a equipe. Mostrou, de forma concreta, que o papel da nutrição vai além da prescrição dietética em determinadas situações. Em cuidados paliativos, muitas vezes o foco deixa de ser a recuperação clínica e passa a ser o oferecimento de conforto, qualidade de vida e momentos de prazer.
Quando um paciente expressa o desejo por um alimento especial, a chamada comfort food, cabe a nós equilibrarmos a segurança nutricional com a humanização do cuidado, respeitando suas vontades e proporcionando bem-estar.
Sapore: O que significa, na prática, oferecer uma refeição personalizada para cada perfil de paciente? Como garantir isso, sem perder a eficiência?
Adrielly Ferreira: No ambiente hospitalar, oferecer refeições personalizadas vai muito além de servir alimentos diferenciados; significa garantir que cada paciente receba uma alimentação cuidadosamente planejada, adequada à sua condição clínica, às restrições alimentares existentes e às suas necessidades nutricionais específicas. Esse cuidado é essencial para promover a recuperação, o bem-estar e a segurança, sem comprometer a agilidade e a eficiência da equipe responsável pelo preparo e distribuição das refeições.
Na prática, essa personalização pode ser viabilizada por meio da utilização de perfis de dietas padronizados, que facilitam a organização do fluxo de trabalho, do desenvolvimento de cardápios modulares, que permitem combinações flexíveis e adaptáveis, e do acompanhamento nutricional contínuo, alinhado ao perfil assistencial de cada paciente.
Dessa forma, é possível atender às individualidades de cada pessoa hospitalizada, ao mesmo tempo em que se preserva um serviço estruturado, seguro, ágil e eficiente, garantindo qualidade tanto no cuidado nutricional quanto na experiência do paciente.
Sapore: Quais tendências você acredita que vão transformar a nutrição hospitalar nos próximos anos?
Adrielly Ferreira: O uso de inteligência artificial, aliado a ferramentas digitais cada vez mais avançadas, representa um grande avanço para a área da nutrição hospitalar. Essas tecnologias permitem monitorar, em tempo real, a ingestão alimentar dos pacientes, oferecendo dados mais completos e confiáveis sobre o que foi realmente consumido. Com isso, é possível aprimorar significativamente a precisão das avaliações nutricionais, identificar padrões de comportamento alimentar e ajustar rapidamente as condutas quando necessário.
Além disso, a integração desses recursos otimiza os processos internos dos hospitais, reduzindo falhas de comunicação entre equipes, agilizando a tomada de decisões e garantindo maior eficiência no planejamento das dietas. O resultado é um cuidado mais personalizado, seguro e alinhado às necessidades de cada paciente, ao mesmo tempo em que se promove uma gestão hospitalar mais organizada e eficaz.
Sapore: Que mensagem gostaria de deixar para nutricionistas e gestores hospitalares?
Adrielly Ferreira: A mensagem que desejo deixar é que a nutrição hospitalar deve ser reconhecida como uma parte fundamental do tratamento e da recuperação de cada paciente. Nosso papel dentro da equipe multidisciplinar é indispensável, pois a atuação do nutricionista vai muito além da simples prescrição de dietas. Estamos envolvidos em todo o processo de cuidado, desde o acolhimento e a humanização da assistência até a promoção da recuperação clínica, a redução do tempo de internação e a garantia da segurança alimentar e nutricional.
Por isso, é essencial que haja investimento contínuo em estrutura, processos bem definidos e, principalmente, em pessoas qualificadas. Uma assistência nutricional de qualidade impacta diretamente nos desfechos clínicos, favorece a alta precoce, aumenta a satisfação dos pacientes e contribui para o fortalecimento e a credibilidade da instituição de saúde como um todo.